quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

A mulher na Indiana: uma vida de sacrifícios





Já é quase dia e ainda pode-se ouvir os gritos que vêm de dentro do pequeno barraco. Homens do lado de fora fumam sem parar, a fim de controlar a ansiedade. Lá dentro, a jovem, quase menina, experimenta horas de dores até finalmente ver seu bebê nascer.

A parteira pega a criança e, com olhar de desprezo diz: "Sinto muito, é uma menina". Os homens da família tentam consolar o pai, que fica arrasado. Batendo no peito, ele grita aos deuses perguntando o que foi que ele fez para merecer isso. Minutos depois, em uma cerimônia assustadora, o pai levanta a criança inocente nos braços e, antes de afogá-Ia em um barril de leite, diz: "No ano que vem, você será um menino".

Andando pelas ruas de qualquer cidade da índia, é impossível não notar a falta de mulheres. O número de homens que se vê é muito maior. Indianos de classe alta afirmam que a prática de se matar meninas já não é mais tão comum, mas a realidade mostra outra coisa.

Para tentar acabar com essa chacina, o governo proibiu a realização de ultrassom para saber o sexo do bebê. Porém, o apelo de clínicas clandestinas e a realidade social falam mais alto. Em qualquer cidadezinha mais remota da índia, estas clínicas fazem o exame por apenas 10 dólares e, com uma taxa adicional, já fazem o aborto se o feto for do sexo feminino. Alguns desses lugares fazem a seguinte propaganda: "Pague 500 rúpias agora e economize 50 mil no futuro", fazendo referência ao dote que o pai da noiva precisa dar à família do noivo no casamento.

Quando a família arranja um casamento para a menina, um valor combinado deve ser pago para a família do noivo. Quando isso não acontece devidamente, a noiva corre o risco de ser queimada viva em um ato desumano chamado bride-burning, que pode ser traduzido por "queima da noiva".

Em alguns casos, quando o dinheiro do dote acaba, ou é insuficiente, o noivo e sua mãe passam a considerar a noiva indesejável e os maus-tratos começam até que, em último caso, o noivo mata a esposa para poder se casar com outra mulher.

O termo bride-burning começou a ser usado porque essas mulheres geralmente morrem na cozinha, enquanto preparam a refeição da família. Alguém despeja querosene no ambiente, e outro acende o fósforo. A morte é reportada como "acidente doméstico" com o fogão à lenha.

Dados oficiais do governo da índia apontam 7 mil casos de bride-burning por ano. ONGs afirmam que é o dobro - um artigo chega a falar em 25 mil mortes.
 
Além da prática de assassinato, é comum a tortura dessas mulheres. Algumas são tão agredidas pela família do noivo que se tornam portadoras de deficiências físicas, com ainda mais dificuldade para trabalhar duramente, como é esperado delas.

O sistema de castas torna a vida das mulheres indianas ainda mais difícil. As mulheres dalit, da casta mais baixa, são as que mais sofrem. São consideradas inferiores aos cães, e "intocáveis", por serem impuras. Mesmo assim, têm sido exploradas sexualmente e são as maiores vítimas da AIOS.

Mulheres dalit não têm direito ao estudo nem ao sistema de saúde. Do total, 90% trabalha na agricultura e são chamadas de servas. Elas também são obrigadas, pela religião e tradição, a limpar os restos dos animas das ruas, sem receber nenhum pagamento por isso. Trabalham muito mais que os homens da mesma casta, mas ganham bem menos que eles.


As mulheres cristãs também enfrentam dificuldades. Em algumas famílias cristãs também existe a preferência por meninos ao invés de meninas. Por causa da religião, o aborto não chega a acontecer, mas a mãe sofre a culpa por ter tido uma menina que jamais carregará o nome da família.

Em alguns lugares da índia, como no Estado de Orissa, ser mulher e cristã é motivo dobrado para sofrer descaso, discriminação e violência. Como são consideradas sem valor, estupros e espancamentos são comuns.

O preconceito contra as cristãs também acontece com estrangeiras que moram no país, como foi o caso de Jarid Arraes Singh, cristã brasileira casada com Sandeep Singh, indiano, e que mora na índia há seis meses. Jarid conta o que aconteceu:

"No final de outubro do ano passado eu andava pelo mercado com minha cunhada, e um homem cuspiu em mim. O motivo? Ser cristã. Ele disse:

"Cristã!", e simplesmente cuspiu, como quem não está fazendo nada de mais. Minha cunhada imediatamente o chamou de "cachorro", mas ele saiu rindo enquanto a rua inteira assistia e ria. O que fazer se o governo indiano não se importa, se os próprios policiais ajudam a agredir os cristãos? O que fazer sendo apenas uma garota cristã no meio disso tudo? Submeter-me a rituais com os quais não concordo, nos quais não creio e não vejo nada de bom? Negar minhas convicções, minha fé, meu Deus?

Jamais. Prefiro ser cuspi da, estuprada, espancada, queimada, morta...".

Fonte: Revista Portas Abertas - Vol. 28 - Nº 3

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